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Blogue que expressa de forma séria, ou nem tanto quanto isso, opiniões e divagações de temas tão diversos como jogos, artes digitais, cinema, música, banda-desenhada, literatura, animação, entre outras coisas que possam eventualmente surgir na minha cabeça. O objectivo é, após reflectir um pouco sobre um assunto, dar a conhecer ao Mundo a minha opinião sobre o mesmo, podendo dessa forma transmitir os meus ideais e quem sabe vir a influenciar outros através da palavra.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

A câmara como elemento narrativo.

Uma das primeiras coisas, que os estudantes de cinema aprendem acerca das “regras”, ou truques, da linguagem audiovisual. E coloco regras entre aspas, já que estas não são obrigatórias, mas antes, formas rápidas e práticas de conseguir algo bem feito. É o potencial, que a colocação da câmara de filmar relativamente ao objecto em foco, tem como elemento narrativo. Podendo esta ser facilmente utilizada, para transmitir diferentes tipos de sensações e de emoções ao espectador, sem que este sequer se aperceba.

O exemplo mais fácil que se pode usar para verificar isso, é o dos filmes de terror. Imaginemos o seguinte: Um assassino persegue a sua vitima, cena típica de qualquer filme de terror de série B. Quando o realizador quer mostrar a imponência do assassino, ou monstro, que faz a perseguição. A câmara de filmar é sempre colocada num plano contrapicado, isto é, num ângulo inferior aos olhos desse personagem. Isto causa no espectador, a sensação de estar a olhar essa personagem de uma posição inferior. Aumentando assim, a importância do perseguidor e ao mesmo tempo, colocando o observador numa posição quase semelhante à da vítima, que inconscientemente, lhe causa uma sensação de medo, ou terror. Quando mostra a vítima, que foge a um destino cruel. Fá-lo sempre através de um plano picado, um plano em que a câmara fica acima do olhar da personagem. Que ao contrário do anterior, causa no observador o efeito exactamente oposto. Colocando desta vez o mesmo numa posição superior à vítima, que inconscientemente lhe causa uma sensação de superioridade e impunidade. Colocando-o de certa forma, no papel do assassino e reforçando assim, a fragilidade da vítima.

 Plano contra-picado do assassino.
Friday the 13th: A New Beginning (1985) de Danny Steinmann


Quando os dois planos são misturados na pós-produção. O espectador vê uma sequência de imagens, que mostram o pânico da vítima e a calma feroz com que o assassino a persegue.
Se os planos estivessem ambos à altura dos olhos. Daria a sensação que as personagens se equiparavam e que a vítima podia a qualquer momento, fazer frente ao seu perseguidor, o que teria pouco impacto. Sendo os planos diferentes, transmite-se mais facilmente a mensagem que o assassino é todo-poderoso e a vítima vai morrer a qualquer instante. Dando dessa forma um efeito muito mais forte à cena.

Plano picado da vítima.
Shutter (2008) de Masayuki Ochiai 


Muitos outros truques podem ser usados, para causar determinado tipo de sensações a quem vê o filme. Aliás, uma das tarefas que um bom realizador deve ter. É a de tentar arranjar maneira de causar o mesmo efeito, ou até mesmo um efeito superior, utilizando novas colocações de câmara, enquadramentos diferentes, ou simplesmente uma fotografia que ajude a transmitir determinado tipo de emoções.

Plano amorcée, por detrás do ombro, que mostra as personagens a observar o exército que rodeia a cidade. Com este enquadramento, o realizador consegue transmitir ao espectador. A sensação de que as personagens estão, como que encurraladas entre uma parede que não se vê e um exército gigantesco. O que permite transmitir a sensação, do exército ser muito maior do que aquilo que de facto é.
Lord of the Rings - The Two Towers (2002) de Peter Jackson.


Se pensar-mos em utilizar, estes conhecimentos vindos do cinema e adaptá-los a outros media, como por exemplo os videojogos. O resultado pode ser uma experiência extremamente imersiva, capaz de fascinar e marcar qualquer um que a experimente. Exemplos disso são os primeiros jogos da série Resident Evil, em que a câmara era colocada sempre de forma estratégica, de modo a tornar difícil, perceber o que existia ao virar de cada esquina. Isso, mais o facto de o plano ser quase sempre picado, ou então, colocado em ângulos estranhos e incomodativos, causavam no jogador a sensação constante, que a qualquer momento poderia ser atacado por algo desconhecido. Eu joguei o primeiro e o segundo até ao fim e ainda hoje, estão entre os jogos mais assustadores que eu já joguei. Outro exemplo mais recente, que foge um pouco à premissa mais clássica, da câmara fixa num ponto. É o da série God of War, em que, apesar de a câmara seguir sempre o protagonista. Utiliza várias vezes pequenos truques, como afastar-se quando se luta contra um boss mais forte, que permite não só, ver melhor a área de jogo, tornando a jogabilidade mais fluida. Como também, comparar a diferença de tamanhos entre Kratos, o protagonista, e os seus inimigos. O que contribui, para tornar a vitória sobre tal criatura, um feito muito mais impressionante. Outro dos truques utilizados nessa série. É o de, sempre que Kratos entra numa nova zona, a câmara afasta-se imenso do mesmo, tornando-se apenas um ponto de referência no cenário e perdendo o protagonismo para este. Permitindo dessa forma, não só apreciar os magníficos cenários do jogo, como também, causar no jogador a sensação que a aventura que ele está nessa momento a viver, é algo de verdadeiramente épico e extraordinário.

Plano picado.
Resident Evil (1996) da Capcom.
Retirada de: http://www.mobygames.com/


No entanto, implementar num videojogo, uma câmara que tenha em atenção constantemente, o cenário em que se insere e as movimentações do protagonista. É algo que não só, demora muito mais tempo a ser concluído, como também custa muito mais dinheiro a fazer. Os motivos são simples, a colocação da câmara tem de ser pensada ao pormenor, para cada parte separada do cenário, algo que requer muito mais planeamento e consequentemente demora mais tempo para fazer. O que implica, que irá ter de existir uma equipa para fazer todo esse trabalho, que por sua vez, equivale a mais dinheiro gasto com mais pessoas.

Uma espécie de plano muito geral, em que se vê o personagem insignificante ao pé de um inimigo monstruoso.
God of War 3 (2010) da Sony Computer Entertainment.


Concluindo, apesar de saber que se trata de uma solução muito mais cara e também, mais difícil de aplicar. Acho mesmo, que as produtoras de videojogos podiam investir um pouco mais e utilizar uma câmara, que em vez de se limitar a seguir o avatar pelo cenário fora. Pode ser também um elemento extra, que ajuda não só, a contar a história do jogo de uma forma mais imersiva. Como funciona também como mecanismo para causar sensações e alterar estados de espírito do jogador, contribuindo dessa forma, para tornar toda a experiência nalgo mais marcante e profundo.

Referências:

Livro Film Studies  de Andrew M. Butler, publicado pela The Pocket Essentials.
Apesar de muito resumido, é uma boa apresentação a muitos dos conceitos do cinema.


Livro Film a Critical Introduction de Maria Pramaggiore e tom wallis pearson, publicado pela Papperback. 
Muito completo e com explicações bastante boas sobre todos os conceitos do cinema. O capítulo 6 é todo, acerca da utilização da câmara no cinema.


http://videoescolar.no.sapo.pt/videoplanoslista.htm 
Explicação simples dos diferentes tipos de planos com imagens exemplificativas.


http://pt.scribd.com/doc/507436/A-LINGUAGEM-DO-CINEMA-Reeditado 
Explicações sobre diferentes conceitos de cinema com bastantes imagens exemplificativas.


Livro Fundamentals of Game Design de Ernest Adams, publicado pela Voices That Matter.
Informações sobre os diferentes tipos de câmaras utilizados nos videojogos e as implicações dos mesmos, no processo de desenvolvimento do jogo.

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